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INFÂNCIA PERDIDA: Sem pai, sem mãe

INFÂNCIA PERDIDA: Sem pai, sem mãe

20 de janeiro de 2011



Dor silenciosa. Ferida que não sara. Medo, insegurança, baixa autoestima e falta de afetividade são alguns dos principais sintomas que atingem crianças e adolescentes abandonados. No Ceará, há aproximadamente 500 crianças e adolescentes abrigados por diversos motivos, mas, sobretudo pelo abandono. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o abrigo é considerado uma medida de proteção provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para posterior colocação das crianças e adolescentes em família substituta ou reinserção na família de origem. Mas a realidade é que muitas crianças passam a infância inteira nos abrigos, deixando escapar pelos dedos a oportunidade de realmente serem crianças. 


Este é o caso de Ana (nome fictício), 14 anos. Ela foi abandonada quando ainda era bebê, nunca conviveu com pai e mãe, passou por dois abrigos, mas a esperança não acaba: “meu sonho é ser adotada e ter uma família”, disse. Ana vive com mais 21 crianças e adolescentes no abrigo mantido pela Sociedade para o bem-estar da família (Sobef), em Maracanaú, região metropolitana de Fortaleza. A Sobef abriga 22 crianças e adolescentes, com idade entre 7 e 17 anos. As crianças acordam às 6h e vão para a escola. No retorno, após a refeição têm atividades como reforço escolar, informática, capoeira, futebol ou balé. “Buscamos trabalhar a causa específica de cada um, sobretudo na manutenção do vínculo familiar”, disse a assistente social Jacira Marta Oliveira. Das 22 crianças, 9 estão disponíveis para adoção, destas, 4 estão recebendo visitas de casais habilitados.

Infelizmente, este não é o caso de Ana. Ela não recebe visitas há muito tempo. No seu rosto, as marcas da vida são evidentes: poucas palavras, timidez, insegurança e rispidez demonstram seus traços. A menina não se lembra da mãe e é enfática: “não gosto dela porque ela me abandonou. Falou que ia voltar prá me buscar e nunca voltou”. Sobre a infância não há lembranças, apenas brincadeiras com as outras crianças do abrigo. Sobre o futuro, a vontade de transformação. “Eu quero ser veterinária porque eu gosto de cachorros e quero cuidar deles”, disse.

A história de Ana é mais uma entre tantas que alimentam as tristes estatísticas de crianças e adolescentes que perdem a infância nos abrigos espalhados pelo Brasil. É mais uma história que, infelizmente está longe de acabar. A psicóloga Helani Façanha alerta que, nesses casos, os prejuízos causados à criança são incalculáveis. “A institucionalização tende a ser muito prejudicial, uma vez que priva a criança do convívio familiar, o que pode interferir no seu pleno desenvolvimento psicossocial. Abrigo não é lugar para criança viver. Crianças precisam de referencial familiar, carinho e proteção, que o abrigo não dá”.

Assim é Jonas (nome fictício), 10 anos. Abandonado pelos pais ainda bebê, o menino não aceita a própria história e luta contra a realidade que lhe impuseram. Fugiu do abrigo duas vezes e conta sempre a mesma história: “estava indo para a casa de uma pessoa conhecida que o chamou para morar com ela”. A assistente social disse que Jonas cria fantasias. “Ele tem diversos amigos imaginários. É uma criança difícil, que demanda maior atenção. Apresenta sinais de revolta, falta de concentração e dispersão. Por estar tanto tempo abrigado, ele apresenta grande esgotamento institucional”, explicou.

Para mudar a realidade de crianças como Jonas e Ana, a Procuradora Geral de Justiça, Socorro França Pinto acredita que é necessário uma grande mobilização nacional, que busque mudar a consciência das pessoas sobre a adoção. Para ela, o grande entrave está no fato de casais habilitados escolherem perfis específicos. “A adoção não pode ter etnia, idade, nem sexo, adoção é um ato de amor. Somente após essa grande revolução de ideias, é que a Lei passará a vingar no sentido de que esses abrigos sejam acolhedores até no máximo por dois anos”.

Ainda segundo a Procuradora, a reinserção das crianças em uma família vai depender muito de políticas públicas. “É preciso chamar a atenção das pessoas que tem obrigação moral de fazer esse acolhimento, de mudar a cultura. A Nova Lei de Adoção é um texto profundamente avançado, sobretudo porque determina ao poder público que ele esgote todos os recursos para reinserção das crianças na convivência familiar. O que necessita agora é trabalho e execução. Que o Ministério Público observe todos os artigos da Lei no sentido de torná-la eficaz”, disse. Enquanto isso, crianças como Jonas e Ana continuam aguardando a oportunidade de passar, enfim, o Natal em família.

Fonte:http://www.oestadoce.com.br/acao=noticias&subacao=ler_noticia&cadernoID=24&noticiaID=39360


 
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